sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Arte contemporânea em suas novas dimensões


Obras gigantescas. Museus e centros culturais colossais em diferentes partes do globo. Arquiteturas institucionais que chegam a rivalizar com a própria obra, afirmam- se como marcos, um gênero de arte per si. Monumentais, tais espaços terminam condicionando as propostas de arte em grandes formatos. Ao mesmo tempo, cresce o número de importantes colecionadores que constroem fundações próprias, multiplicando os espaços disponíveis para trabalhos de grande porte. Nesse processo de relações cada vez mais promíscuas entre a arte e a indústria milionária do entretenimento o alvo é um público novo. Ávida por informação e por surpresa, essa audiência engrossa as filas dos templos de consumo de arte. Mas fica a indagação: qual o alcance das crescentes demandas de espetacularização da experiência estética na opção de escalas e tamanhos da produção contemporânea? O que trabalhos igualmente monumentais como Promenade de Richard Serra (2008), Leviathan (2011) de Anish Kapoor, ambos no Grand Palais, de Paris, teriam a falar sobre esse momento?


A espetacularização da arte- O início do século XXI sinaliza um novo estado de coisas para a arte. A sociedade do espetáculo antevista por Guy Debord na década de 60 é uma realidade. A lógica econômica que transforma todas as esferas da vida em mercadoria, aprofunda sua interferência na experiência estética da arte. É justamente no espaço, essa dimensão política por excelência, que tal controle afirma-se mais intensamente. Em um processo incessante de abstratificação do espaço do espaço como mercadoria, as escalas e tamanhos das megalópoles, dos museus e das obras se agigantam. “Cidades genéricas”, na definição do arquiteto Rem Koolhaas, tais lugares poderiam ser pensados como manchas urbanas sem qualidades específicas e de escalas desproporcionais, o que ele chamou de “bigness”



Mapear a própria posição ou totalidade urbana em tal situação constitui tarefa vã. Aqui, os museus e centros de arte conhecem inéditas funções políticas. Em escalas monumentais, a instituição-museu afirma-se como marcos. Assume o papel de estruturador da política cultural da cidade. Altamente lucrativos, os museus são engrenagens indispensáveis para indústria do lazer e turismo. Construídos com arquiteturas grandiosas, envoltas em camadas de informações, assinaturas e grifes, tais projetos reforçam a excitação dos sentidos e o divertimento do espectador. Menos relações com objetos e mais funcionando com bancos de dados, os museus precisam de diretores e curadores que trabalhem no sentido de desespacializá-los e temporalizá-los, criando narrativas e encenações sedutoras. O evento substitui a obra.

Nesse contexto, surge um público com novas demandas e expectativas em relação à arte. A perda de experiência física vivida nas cidades de paisagem e arquitetura cenográficas produz uma espécie de sujeito descorporificado, bombardeado por estímulos visuais e roubado em sua temporalidade. Homens e mulheres das urbes virtuais experimentam um estado crônico de amnésia e de desatenção . Potencialmente, esta é a nova audiência curiosa e desejosa de estímulo para seu tempo livre. Para esse espectador, trabalhos com grande impacto visual capturam a atenção e a possibilidade de extrair uma “experiência” seguida da expressão “curti!”.


Obras com tais dimensões são particularmente cobiçadas pelo mercado de arte atual. Em momento de expansão, o enorme fluxo de capital vindo principalmente das economias emergentes multiplica o número de colecionadores e o surgimento de novos centros de arte. Em Moscou, The Garage Center for Contemporary Culture, Nos Emirados Árabes, Guggenheim Adu Dhahi, para não mencionar os duzentos centros de arte criados ano passado na China. Na mesma proporção, aumentam os espaços expositivos privados para instalações e grandes obras. Recentemente, o colecionador bilionário François Pinault, dono do império que inclui entre outras a Christie’s, Gucci, Yves Saint Laurent inaugurou sua fundação de arte em Veneza com a suntuosidade e ambição de quem sabe capitanear as relações entre arte e a indústria da moda e do entretenimento. Ainda na tendência de exposições histriônicas, Bienais como a de Veneza, ao determinar imensos pavilhões para representações de países, acabam impondo os tamanhos e escalas às propostas dos artistas. Mas quanto da produção atual não sucumbiu ao canto das sereias da arte como espetáculo?

Escalas e tamanhos, o adensamento do lugar. Igualmente monumentais, os atuais trabalhos de Richard Serra, Anish Kapoor, para citar alguns, inscrevem-se na linguagem de arte contemporânea que intervém criticamente no espaço expositivo. Tensionam as paredes, o teto, o chão, as enormes dimensões da arquitetura dos novos museus e galerias. Incorporando o espaço institucional aos próprios trabalhos, atuam politicamente contra o poder de neutralização e esvaziamento da arte promovido pelo seu sistema.

Em 2008, Richard Serra realiza a escultura Promenade, no Grand Palais de Paris. Tirando partido da sensação de leveza sugerida ao corpo ao entrar nessa grandiosa construção de ferro e vidro, o artista propõe ao espectador repensar sua relação com o espaço público. As cinco placas de ferro de 17 metros de altura e 4 de largura com o eixo de inclinação em tensão com as sacadas de 13 metros de altura revelam um objetivo bastante preciso: trazer a escala do local para dentro do trabalho, convidando o visitante a apropriar-se do espaço. Seguindo semelhante estratégia, a escultura faz uso do eixo central do edifício como referência; instala as cinco placas em distância e ritmos calculados para provocar uma ilusão de ótica no espectador, causando a impressão de haver um desequilíbrio entre elas. Aqui, a sensação é de vertigem, como se por átimos de segundo abandonássemos nossa existência desrealizada e com uma simples caminhada prazerosa (promenade) fossemos levados a reaprender o mundo.

No mesmo Grand Palais, Anish Kapoor constrói Leviathan, em 2011. Essa grandiloquente estrutura inflável de 35 metros de altura e 120 de comprimento produz estranhamento e desconforto no espectador ao obstruir o espaço expositivo. Por outro lado, o aumento de muitas vezes da escala do espectador junto ao objeto produz um efeito de projeção na obra, de identificação com os delimites espaciais da obra. Em frente à Leviathan experimentamos uma interrupção na percepção, vivemos uma suspensão temporária, quando somos interrogados: “onde estou?” Tal qual a Alice de Lewis Carroll, por instantes nossas certezas sobre a realidade e a ilusão parecem vacilar. Esse parece ser o sentido mais urgentes das obras que lançam mão dos recursos de escalas e tamanhos gigantescos: nos convocar a reaprender o espaço real, a duvidar da zona nebulosa entre a realidade e a ilusão de uma existência cada vez mais virtual.


Martha Telles

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