segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Entrevista com Anne Cauquelin

Nessa entrevista, a filósofa Anne Cauquelin discute o conceito de arte contemporânea, procurando refletir sobre o impacto da internet na arte. Ou seja, pensa como as mudanças na esfera pública estão transformando o fazer artístico....



Em 1992, em seu livro Arte contemporânea: uma introdução, a senhora falava que a multiplicidade de obras e de títulos acerca da arte geravam certa confusão sobre o que seria exatamente arte contemporânea. Como a senhora identificou esta situação? E de lá para cá, que mudanças ocorreram neste cenário?
Eu creio que a situação se congelou. Quando lancei este livro, e talvez nos dois anos que se seguiram, o que eu havia escrito se tornou realidade no mundo todo, mas ficou, ao mesmo tempo, paralisado. O que tínhamos era um logo “arte contemporânea”, mais do que uma arte em movimento. Era uma espécie de pacote com características daquilo que as pessoas faziam e aquilo com o quê se preocupavam – o que chamei, em outro livro, de palavras de ordem. Palavras de ordem que são quase injunções: é preciso praticar o vazio ou expor o vazio, é preciso fazer isto, é preciso fazer aquilo, e, implicitamente, os artistas o faziam. Então, tínhamos um pacote de obras, um pacote de atividades, que se assemelhavam entre si e às palavras de ordem, e que então se congelaram assim. E, neste momento, começamos a chamar isto de arte contemporânea, e continuamos a chamar isto de arte contemporânea mesmo que as coisas não tenham se mexido. O que eu percebo, agora, é que temos grandes museus de arte contemporânea, galerias de arte contemporânea, revistas de arte contemporânea... Só que isto é uma estrutura, uma estrutura em movimento, então não se pode falar de um museu de arte contemporânea como se fosse um lugar onde se colocam coisas contemporâneas dentro.

Além desta ideia de que os museus não podem ser tratados apenas como "caixas onde se coloca coisas contemporâneas", a senhora também afirma que os museus são, eles próprios, "atuadores" que compartilham da função de autor.
No fundo, aquele que expõe a obra é também o autor da obra: o galerista, o museu – também o museu é autor, é um ser. É claro que isso muda completamente o modo de se ver o museu, ou seja, de vê-lo como um ser vivo, um organismo.

Isto significa dizer que a arte, mais do que um resultado, passou a ser uma atitude?
Sim, é justamente isso que estamos falando – como se fosse possível criar um museu para atitudes... E tem aí a questão do virtual, que é mais um modo de ser, um modo de viver, do que a realização de obras propriamente ditas. E esse modo de vida está o tempo todo em deslocamento, ele se mexe o tempo todo. Ser contemporâneo, então, é seguir esse movimento, é não permanecer em uma atitude fixa.

A senhora já afirmou outras vezes que considera que a internet, atualmente, tem papel fundamental sobre a esfera da arte, e que a comunicação é o grande "organizador desorganizado" da arte contemporânea. Por que? Que fatores contribuíram para esta mudança e que leis regem, hoje, este sistema?
Costuma-se dizer que os artistas de maior valor são os mais citados na rede. Esta é a resposta da arte ao novo. Eu tento prevenir que a comunicação da obra na rede não é uma explicação da influência que ela tem. Porque o que temos hoje é um pensamento flutuante de obras que chegam pela web. Os artistas não são melhores assim, tampouco as obras. A quantidade de coisas que nos chegam assim é sobretudo uma expansão de si, uma subjetividade que é colocada na obra mas, bom, ela não está lá – está em outro lugar. Eles podem até crer que isso agrega alguma coisa, mas acho que não agrega nada.

Poderíamos então dizer que, com a internet, a obra de arte caminha para o desaparecimento?
Creio que sim. São duas coisas: em primeiro lugar, é muito fácil de perder alguma coisa na web. As coisas desaparecem – elas estão lá, em algum lugar, mas não as encontramos sempre que queremos. Em segundo, uma outra coisa, mais interessante: o fato de que fitas de vídeo – que são objetos reais – não podem ser conservadas por muito tempo. Há um desaparecimento progressivo das coisas que são registradas pela tecnologia – o audiovisual, os CDs, tudo isso –, e que, no entanto, são ferramentas de trabalho.

Importante referência no pensamento teórico sobre a arte contemporânea –, Anne Cauquelin é filósofa, escritora e artista. Doutora e professora emérita da Universidade de Picardie, na França, publicou, entre outros, Teorias da arte (2005), Arte Contemporânea: uma introdução (2005), A invenção da paisagem (2007) e Frequentar os incorporais (2008), além dos romances Potamor e
Les prisons de César. É, ainda, redatora-chefe da revista Revueesthétique.

Entrevista retirada do site Fundação Iberê Camargo

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