segunda-feira, 28 de março de 2011

Política de Museus no Brasil

Trópico na Pinacoteca 3: Museus


Por Ana Paula Cohen



Saiba como foi o debate de Sonia Salzstein, Roberto Teixeira da Costa e Marcelo Araújo. Após quase duas décadas de prática das leis de incentivo fiscal e do gradativo abandono da esfera cultural por parte do Estado, as instituições culturais no Brasil apresentam uma urgente necessidade de reestruturação. Nesse sentido, discussões como a realizada na Pinacoteca do Estado (São Paulo), no último dia 31 de agosto, mostram-se como uma primeira mobilização para gerar mudanças efetivas.

A terceira edição da série de encontros "Trópico na Pinacoteca" enfocou os problemas relativos às "Políticas de museus". Foram convidados o economista Roberto Teixeira da Costa, conselheiro de diversas empresas, presidente do conselho deliberativo do Museu de Arte Moderna de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca Brasileira, e a crítica de arte e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Sonia Salzstein. A mediação coube ao museólogo Marcelo Araújo, atual diretor da Pinacoteca.

Limites entre o público e o privado

Marcelo Araújo introduziu as palestras enfatizando a necessidade de reelaborar "estratégias possíveis para os museus", no atual contexto brasileiro "em que a afirmação do modelo neoliberal e a consequente refração do papel do Estado tem tornado absolutamente fluidos os limites entre o público e o privado".

Entre as questões colocadas por Araújo, uma delas seria pensar o que torna, hoje em dia, uma instituição pública. Citou o conselho internacional de museus (Icom), para o qual é necessário que o museu seja "voltado para o interesse da população". O simples estatuto jurídico dessa instituição, ou o fato dela manter as portas abertas ao público, são, portanto, insuficientes.

O museólogo considerou a Lei Rouanet responsável pela "verdadeira tragédia" em que se encontram a maioria dos museus no país. "A preponderância da lei Rouanet na estruturação das atividades culturais resultou na concentração de empreendimentos desenvolvidos pelas próprias empresas patrocinadoras". Tal situação "acabou ditando uma subordinação das instituições museológicas aos interesses do mercado".

Marcelo Araújo citou uma advertência feita há alguns anos por Maurício Segall (diretor do museu Lasar Segall por 30 anos): "A grande ameaça não é a existência das estratégias de marketing, mas a maneira como a médio e longo prazo essa prevalência acabará por determinar o próprio pensamento curatorial, em função desses interesses de marketing". Tal afirmação se confirmou nas falas, embora antagônicas, de Roberto Teixeira da Costa e de Sonia Salzstein, marcando um dos raros pontos de concordância entre os debatedores.

O curador Ivo Mesquita, demitido em junho último da direção do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, estava na platéia, bem como outras pessoas que pensam ou exercem cargos em instituições de natureza museológica, como Cristina Bruno, Denise Grinspum e Stella Teixeira de Barros. As razões dessa demissão motivaram a Pinacoteca do Estado e Trópico a organizar o encontro.

Como parte da introdução, Araújo leu trecho de um artigo do crítico e curador Paulo Sérgio Duarte (também presente no auditório): "uma leitura crítica do museu deveria ser uma rotina realizada por seminários transdisciplinares, onde críticos, historiadores, cientistas sociais, curadores, designers, arquitetos e museólogos colaborassem com subsídios para traçar a estratégia da instituição. Os seminários quadrienais deveriam se tornar uma exigência dos museus de arte no Brasil, que muitas vezes estão mais interessados em macaquear as bem sucedidas operações dos homens de marketing do que pensar sobre si mesmo e seus destinos".

Popularização dos museus

Roberto Teixeira da Costa apoiou-se nas afirmações de Thomas Krens, diretor do Museu Guggenheim, para quem "um museu sintonizado com os novos tempos precisa atrair o público com cinco divertimentos: grandes coleções permanentes, grandes exposições especiais, grande arquitetura, espaço para alimentação e oportunidades para fazer compras". Essas plataformas de atuação demonstram uma total subordinação da reflexão curatorial à lógica do mercado e do lazer. Segundo Teixeira da Costa, tal modelo, "em maior ou em menor escala, está sendo seguido no Brasil".

Teixeira da Costa ressaltou a popularização dos museus, ao tratar a instituição como lugar que "deixou de ser um espaço dedicado às elites e tem um objetivo na sociedade muito mais amplo do que ser um espaço refinado, onde as elites se encontram para questionar obras de arte". Na sua visão, os museus são um elemento de aproximação de segmentos menos favorecidos da sociedade, na qual a arte pode exercer um mecanismo de diminuição dos problemas sociais. Nesse sentido, chamou a atenção para a importância do "museu como centro de educação".

Desenvolvendo um dos princípios de Thomas Krens, de que "a função do museu é criar uma situação tal em que o público não se sinta tiranizado", Teixeira da Costa observou que "o museu deve ser um ambiente em que as pessoas fiquem completamente à vontade", "em que elas vão para relaxar, para absorver idéias, conceitos e não se sintam tensas ou obrigadas a um ambiente na qual não estão acostumadas".

As três principais questões colocadas pelo economista foram extraídas de artigos publicados sobre o tema dos museus hoje. A mobilização de recursos foi um assunto tratado exaustivamente ao longo de sua apresentação. Em seguida, indagou como seria a sobrevivência dos museus no século 21: "Será que seu papel está reservado a fazer parte da indústria do entretenimento? Será que o museu do futuro passa a ser exclusivamente uma disneylândia cultural?" Por fim, questionou se a arquitetura dos museus não estaria ganhando mais importância do que o objetivo propriamente dito do museu.

Norte-americanizados

Segundo Teixeira da Costa, "a experiência brasileira é muito mais inspirada -como quase tudo que nós fazemos aqui- no modelo americano do que no europeu". Comparou diversos exemplos de museus nos Estados Unidos e na Europa para avaliar a situação brasileira. "Uma coisa que difere muito do sistema americano para nosso sistema é a questão do endowment".

O endowment é uma receita -gerada a partir de um volume de recursos, aplicado a taxas de mercado a riscos relativamente baixos- que ajuda a custear as atividades da instituição. "Nos Estados Unidos, por exemplo, o Metropolitan tem um endowment que cobre onze anos de atividades do museu, a parte que o Guggenheim tem um endowment muito baixo, o que, de uma certa maneira, explica a agressividade comercial, o marketing violento do Guggenheim se comparado ao do Metropolitan. Ou seja, na medida em que você não tem recursos que garantam manter uma personalidade do museu, você parte para experiências um pouco mais agressivas, mais pirotécnicas, que talvez se distanciem do objetivo ideal do museu".

Nessa etapa da palestra, levantou diferentes problemas relacionados à arrecadação de fundos em museus. Por exemplo: "quais são os artigos compatíveis para serem vendidos em uma loja de museu? Seriam coisas ligadas àquela exposição, à atividade artística, cultural, ou simplesmente trata-se de transformar a loja num shopping center?" Tratou também do tema da filantropia: "4/5 dos recursos de filantropia nos Estados Unidos são de pessoas físicas. Então, há um conceito de filantropia que o brasileiro ainda não tem, até pelo seu nível de renda, ou porque aqueles que têm renda talvez não tenham essa motivação".

Finalmente, levantou a questão sobre a coerência de criar um setor de arrecadação de fundos nas instituições brasileiras, seguindo o modelo do British Museum. Teixeira da Costa assinalou que "a fortuna mudou, de tal maneira, de mãos em São Paulo, que é preciso descobrir quem são estes novos entrantes que estão aí com o dinheiro, e que talvez queiram ter uma participação maior na arte e na cultura".

O economista indicou, ao longo de sua exposição, algumas taxas de visitação, dando exemplos nacionais: a mostra do Monet no Museu Nacional de Belas Artes atraiu 432 mil pessoas, durante dois meses, em 1997; a de Dali, 245 mil; a de Rodin, 226 mil; Picasso, no MAM do Rio de Janeiro, 136 mil; Camille Claudel, 120 mil. O MAM do Rio de Janeiro, em 2001, teve 177 mil visitantes, já o MAM de São Paulo, 280 mil visitantes.

Os dois últimos temas abordados por Teixeira da Costa foram: a "cultura como mecanismo de aproximação" e a" falta de planejamento sobre cultura na pauta dos candidatos à presidência do país e ao governo do Estado de São Paulo". Lamentou a falta de uso da arte e da cultura como mecanismo para conhecerem melhor o Brasil. Segundo ele, "temos a pretensão de saber o que são os Estados Unidos, mas não sabemos. E os Estados Unidos evidentemente não sabem o que é o Brasil". "É preciso que o Brasil faça um esforço também de se apresentar melhor e de vender melhor sua arte e cultura, porque o que nós temos para oferecer é de grande relevância".

Fisionomia popular e de elite

Sonia Salzstein não quis apresentar sua comunicação sem antes fazer as ressalvas que anotou em relação a palestra anterior. Adiantou que o horizonte de sua fala contemplaria a questão do "museu como lugar que tenha uma fisionomia mais popular do que uma fisionomia de elite", mas ponderou que caberia "problematizar o que entendemos por abrir o acesso e dar esse caráter popular à fisionomia do museu".

Salzstein criticou um certo hábito, criado nos anos 90, de confundir "grandes cifras de público" com "um museu que se populariza". Assim sendo, "temos perdido de vista a questão da formação. Formação não só como o trabalho de cativar novos contingentes de público, de ter setores de monitoria bem montados, mas há um trabalho de formação em um museu que privilegia, num conjunto de ações hierarquizadas, um trabalho de pesquisa sobre o seu próprio acervo".

Salzstein considerou a posição de Teixeira da Costa "uma visão otimista do papel do marketing cultural". Disse acreditar nesse "extraordinário aporte de recursos, que começou a aparecer para a área de artes a partir dos anos 90", mas pontuou um problema maior: com isso, "abdicamos de quaisquer políticas públicas que fossem capazes de hierarquizar, de disciplinar, a distribuição desses recursos". "O fato de nós sabermos que o Estado já não parece capaz de financiar sozinho a vida desses museus, das instituições públicas, não implica que elas devam capitular totalmente perante as estratégias de marketing".

O exercício da crítica

A discussão da esfera institucional foi feita a partir de um exame simultâneo da situação da crítica nos anos 90. Partiu da constatação de que "a própria compreensão da disciplina da crítica está em crise", referindo-se ao gênero consolidado desde a modernidade do século 19 com o poeta francês Charles Baudelaire. Salzstein levantou a premissa de que os problemas da esfera institucional provém justamente do "esvaecimento do gênero da crítica".

Na "crítica moderna", segundo Salzstein, "havia um ecletismo de origem que a tornava um exercício do risco", que a permitia "escapar ao enrijecimento num gênero estável e aos interesses do mundo da cultura". Nesse sentido, a dimensão pública não se subordinava às suas "prescrições" ou "imperativos".

Salzstein esclarece que, ao contrário do que possa parecer, sua intenção não é fazer um "discurso niilista, desqualificando o presente", mas pensar "alternativas a esse lugar", que vê "comprometido para o exercício da crítica".

A primeira constatação baseou-se na percepção de uma "dissociação entre a atividade da crítica e a da curadoria, ao longo da década de 90". Justificou: "as curadorias, introduzindo-se no cenário contemporâneo como uma nova forma de intervenção crítica, vieram, progressivamente, privilegiando, ao invés de um objeto de arte, abordado em sua singularidade, conjuntos permutáveis de objetos, que fossem capazes de representar este ou aquele enunciado tomado pela curadoria como uma motivação".

Essa nova atitude, segundo Salzstein, "produziu consequências importantes no campo da crítica. Em primeiro lugar, a mudança de natureza do interesse da crítica, que migra da obra para certas categorias conceituais que podem referir-se a conjuntos heterogêneos de objetos". Essa migração "implica também a liquidação da noção secular da crítica (...), espécie de dilatação reflexiva do trabalho de arte, que ao mesmo tempo em que o projetava para o universo da cultura, reconhecia-lhe uma reserva de hermetismo, de intangibilidade".

O que Salzstein ressalta é o "arrombamento da disciplina" que teria se tornado uma "prática discursiva camaleônica". Nessa perspectiva, lamenta que o ecletismo de origem tenha resultado na "renúncia por um domínio especializado". "O desmanche em curso, em vez de ter o efeito de criticar a crítica como gênero, tal como firmada na tradição moderna, acaba por desautorizar o próprio exercício da crítica".

A segunda constatação é a de que, no fim dos anos 90, a arte despediu-se dos derradeiros vínculos com a noção de lugar. Em outras palavras, Salzstein constata uma "dinâmica de funcionamento a base de eventos, sem paternidade institucional muito definida, de sorte que o lugar onde esses eventos acontecem é absolutamente indiferente". Isso se dá na medida em que "a experiência do contato com a arte vai se reduzindo à unilateralidade de um ato de consumo que pode ocorrer em qualquer lugar". A questão é que o "espaço do consumo é um espaço de atos eminentemente privados, confinados a seu próprio narcisismo, embora nas aparências tudo se dê como se tratasse de um fenômeno coletivo".

Cultura de eventos

Salzstein prosseguiu seu raciocínio afirmando que, no Brasil, ao longo da última década, a "maior parte dos recursos privados canalizados para a área de arte incidiu em eventos" de modo que teriam ficado de lado "projetos de longo prazo, que exigem injeção permanente de recursos e que não dão frutos imediatos".

Na sua opinião, retomando a perda de "autonomia da prática da crítica" apresentada anteriormente, "a consistência de uma crítica de arte na situação brasileira só pode adquirir um sentido mais pleno se ela estiver conectada ao horizonte de uma história da arte brasileira. E uma crítica pensada nesses termos requer investimentos em projetos de longo prazo, que, por sua vez, requerem a estabilidade e a constância de um espaço institucional".

O problema é que se criou uma situação em que há uma "disparidade muito grande entre os interesses da produção artística e cultural e os interesses dos gerenciadores desses recursos". Não havendo mais, no Brasil, "esse projeto de um espaço público, não há como fazer com que esses recursos sejam manejados segundo critérios que sejam tornados públicos".

Neo-populismo globalizado

Nesse contexto pautado por grandes eventos, Salzstein denunciou o surgimento de um "neo-populismo globalizado", um fenômeno não só brasileiro mas que, "evidentemente, encontrou aqui terreno fértil". Corresponde, na sua opinião, à "promissora premissa de uma escala popular", aclamada na fala de Teixeira da Costa. Salzstein ressaltou que a "escala social jamais pode abrir mão da dimensão da formação, de um apreço de um investimento na dimensão experimental da produção".

Segundo ela, se houver uma "política escalonada e hierarquizada" é possível conseguir uma "estratégia de transmissão, sem descuidar dessa região que é tão desinteressante para o mercado como é a área de pesquisa, de experimentação, da formação, que não trazem cifras de público, e, portanto, a princípio, não atrai grandes patrocínios".

Salzstein abordou a questão de inserção da arte contemporânea brasileira no mercado internacional, afirmando que as "gerações mais recentes teriam um embate mais produtivo com o meio internacional se estivessem munidas de uma percepção mais clara da própria história da arte brasileira". Para ela, a "integração da arte brasileira ao circuito internacional só poderá se demonstrar como um verdadeiro salto desprovincianizador -usando um termo emprestado de Roberto Schwartz-, como algo mais do que uma reação sistêmica ao fenômeno da mundialização dos mercados, se puder favorecer o adensamento cultural interno da arte brasileira". E, completando, "se puder favorecer uma relação mais paritária da arte brasileira com o meio internacional".


Em sua conclusão, Salzstein aludiu ao problema da influência de interesses alheios à esfera da cultura, ao reconhecer que o curador é uma "peça que se engrena e que sofre a pressão dessa estrutura de marketing exercida externamente à profissão cultural".

Em resposta a uma pergunta de Marcelo Araujo, sobre "políticas capazes de hierarquizar a relação das instituições culturais com a iniciativa privada", Salzstein referiu-se ao Ministério da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso como "acéfalo". Infelizmente, eles se mostraram "sofisticados e cosmopolitas apenas na política econômica" e absolutamente populistas na área cultural. Como exemplo, Salzstein mencionou o fato "indesculpável" de FHC ter levado uma imagem sacra setecentista, patrimônio nacional, de presente ao Papa, em encontro oficial do Itamarati, fato tão pouco divulgado pela imprensa.

Para concluir sua resposta, enfatizou a urgência de se criar, em nível federal, um "colegiado" capaz de avaliar "a ação das instituições que se beneficiam de renúncia fiscal". Esse colegiado deveria determinar os critérios de distribuição dos benefícios e verificar, de tempos em tempos, o que foi cumprido pelas instituições.


Leia a seguir trechos do debate com a platéia

Rafael Raddi: (do Instituto Museológico de Berlim e do McLuhan Institute em Maastricht, na Holanda) Roberto Teixeira começou a explanação dele dizendo que os museus brasileiros baseiam-se no modelo americano e no europeu. Setenta e oito por cento dos museus europeus são estatais porque a lei fiscal e a constituição européia dizem que cultura é prioridade do Estado. Aqui nós temos uma miscigenação, ou seja, o sistema capitalista faz com que as leis sejam européias, mas, na prática, são americanas. Então há um choque de praticidade na realização de projetos.


Por exemplo, na América do Norte, o sistema fiscal é filantrópico. Por quê? Porque toda pessoa física detentora de uma grande coleção tem de pagar mais de cem por cento sobre o valor das obras que deixar ao falecer. Então a familia doa para o museu justamente para "burlar" o fisco e não pagar a taxação.


Um outro fator é a formação de profissionais para a captação de recursos. Por exemplo, no Guggenheim, há 17 pessoas trabalhando somente nesse setor. O museu Metropolitan, de Nova York, tem 38 pessoas na comissão de captação. No Brasil, há uma falta de conscientização devido à falta de formação de pessoal.


Na comunidade européia há um programa de conexão entre todos os museus nacionais, desde o Louvre, com o de Berlim, com o Prado, e foi aberto, há duas semanas, a home page www.euromuse.net, ou seja, todos os museus estão agora conectados e buscando a identidade cultural européia através da formação educacional. E estão pensando inclusive em fazer uma fundação para coletar dinheiro. Os museus que têm um grande lucro devem passar o lucro para pequenos museus.

Voltando à estrutura de política museal do Brasil, proponho a criação de três instituições. Um instituto de pesquisas museológicas, no qual os museus daqui formam uma equipe, para fazer, por exemplo, um levantamento: "quais são as pessoas que vão visitar museus? Do que necessitam?" etc. Proponho a criação de um instituto de pesquisas museológicas e também uma sociedade de política cultural. E um terceiro seria fazer um conselho paulista de política cultural. Para exigir desses políticos e para falar: a classe administradora cultural necessita disso, disso e disso. Para pleitear junto ao governo.

Roberto Teixeira da Costa: Rafael, muito boas essas sugestões. Eu faria dois reparos. Primeiro, você usou a palavra "burla" no contexto norte-americano. Uma vez, eu estava ouvindo uma palestra do Santiago Dantas e ele disse que existe uma diferença entre to evade e to avoid. To evade é burla, to avoid não. Quer dizer, quando você fala burla, não existe burla, existe sim uma estrutura fiscal que estimula a doação. Segundo, o que existe, na minha percepção, é um baixo nível de cooperação, de diálogo entre as instituições culturais no Brasil. Sua sugestão de criar um tipo de pesquisa que seria dividida entre os museus, e uma espécie de política cultural de São Paulo, me parece muito interessante.

Paulo Sergio Duarte: (crítico e curador) O que eu acho importante é a reflexão periódica, para traçar estratégias para os museus de arte. Esse fórum, que poderia ser um seminário quadrienal de âmbito nacional, com convidados do exterior para que eventualmente possam trazer sua cooperação, acho suficiente, no momento atual, para estabelecer essas estratégias e, sobretudo, essa ação coordenada entre as diversas instituições.

Roberto Teixeira tem toda a razão quando diz que no Brasil as coisas são muito imediatistas, até por causa da cultura inflacionária. Mas nós vivemos também em instituições, as instituições de ensino, onde nós somos obrigados a pensar no mínimo nos períodos de formação dos nossos alunos. E como ninguém se forma em menos de quatro anos, nós estamos acostumados a planejar nossas vidas em quatro anos.

Então, quem vive no ambiente universitário, no ambiente educacional, está acostumado a ter a sua vida planejada segundo um calendário que é feito sim a médio e longo prazo, independente do mundo exterior estar sendo refeito trimestralmente, isso quando não era refeito no overnight, todo dia, não é?!

Então, acho que planejar quadrienalmente os museus é necessário e possível. No caso do Brasil, a fala da Sonia é muito importante, sobre o que ela chamou de "adensamento do lugar". Ou seja, qualquer pessoa que estudar um museu do ponto de vista da sua planta baixa, e visitar a Tate Modern, ou a Tate Gallery, ou visitar o MoMA, mas vivenciando internamente a instituição e trabalhando um pouco lá dentro, vai verificar que até as relações entre os espaços físicos dos museus no Brasil e dos museus no Exterior são muito diferentes.

Aquilo que nós visitamos, as salas de exposição de um museu no exterior, é a ponta do iceberg. Ali tem 30% do espaço físico. Setenta por cento está dedicado aos núcleos de pesquisa, às reservas técnicas, aos laboratórios de formação de restaurador, aos laboratórios de restauração.

Um museu de arte que se preze é necessariamente uma instituição de caráter universitário. É uma instituição que forma seus próprios quadros, um local de disseminação de formação profissional de nível muito elevado, e muito especializado, além de servir ao público com exemplos concretos, como esse tipo de proposta bem adequada à situação brasileira que fez a Sonia aqui, que seria dar uma formação para um público que não tivesse acesso a um curso caro, ou seja, transformar os museus de arte em escolas preparatórias de acesso às escolas de arte, ou às escolas de museologia.

Acho isso importante porque adquire o perfil da sociedade brasileira, e não tenta reproduzir os modelos de infra-estrutura e desenhos de um museu num país muito mais rico, que já cumpriu outras etapas. Mas existe um diferencial que é muito importante que a gente saiba, que foi uma coisa que foi sublinhada aqui, que me preocupa muito, é que hoje o produtor cultural dita o calendário das instituições, e mesmo das instituições públicas. Porque como houve um esvaziamento muito grande das instituições do ponto de vista interno de seus recursos, ela fica a mercê, para preencher seu papel de ofertar alguma coisa ao público, dessa demanda externa, e essas produções obedecem a um princípio que não é norteado pelo ritmo da pesquisa.

Ivo Mesquita sublinhou isso muito bem numa entrevista recente no “Jornal do Brasil”: o produtor cultural não tem o calendário subordinado às necessidades de uma pesquisa sobre um tema, mas sim a satisfazer o seu cliente, e seu cliente tem em geral uma agenda que é para prestar contas, por sua vez, para os seus fornecedores, para os seus outros clientes. Então, fica um calendário muito atrelado e subordinado ao mercado. Isso tem deformado muito, nos últimos anos, o calendário das nossas instituições.

É importante saber se houve esvaziamento de recursos públicos de dentro das instituições públicas, porque esses recursos que são alocados para esses eventos externos são absolutamente públicos. Eles são resultado de renúncia fiscal! É dinheiro que deixa de ir para o Tesouro Nacional para ser alocado em projetos privados, para a promoção de marcas comerciais! E com recursos públicos, porque são resultados de renúncia fiscal!

Então, essa legislação de renúncia fiscal e de incentivo à cultura que existe no Brasil, ela precisa ser profundamente revista, porque ela não transforma o empresário num patrocinador da cultura. Eu acho, portanto, que há muito o que fazer, há muito o que desenhar sobre esses projetos culturais, mas particularmente com relação aos museus eu acho que, desde já, é hora de nós convocarmos o seminário nacional quadrienal de museus de arte.

Cacilda Teixeira da Costa: (historiadora da arte) Quero falar de uma pesquisa sobre os livros patrocinados por empresas. Passei dois anos rastreando tudo que foi possível dessa produção editorial (pesquisa publicada pelo Instituto Itaú Cultural). E para a grande surpresa, desses livros -que, como o disse Paulo Sergio, não são patrocínios, é renúncia fiscal, é dinheiro público- eu não consegui dado nenhum no Ministério da Cultura! Portanto, eles liberam o selo da lei Rouanet para as empresas, mas não tomam o cuidado nem de saber que livro foi feito. Eles não têm no Ministério uma estante com os livros que foram patrocinados, para ver qual foi o resultado da renúncia fiscal, que foi liberada por eles!

Na verdade, o que eu senti, e que foi a maior surpresa ainda, é que havia maior nível de responsabilidade da parte dos patrocinadores, dos empresários, que lógico que uma grande porcentagem faz livros errados, repetidos, desnecessários, mas porque se orientaram mal, talvez, não por negligência. Enquanto no Ministério da Cultura há uma total negligência, eu chegava a irritar as pessoas quando pedia informações. Depois, eu publiquei um livro sobre essa pesquisa e nunca tive nenhum retorno do Ministério.

Fiz recomendações, como disse a Sonia, que houvesse um controle, que vissem o que vai ser patrocinado, que vissem que a bibliografia da história da arte no Brasil tem lacunas, tem períodos mal estudados. Mas o Ministério da Cultura nunca orientou ninguém a esse respeito.

Sonia Salzstein: A situação, especialmente em São Paulo, as instâncias técnicas dos museus estão totalmente desprestigiadas, têm muito pouca capacidade decisória. Isso é um problema que se impõe. Acho que o Paulo Sergio tem a sorte de trabalhar numa cidade que não se deixou avassalar por essas estratégias brutas e incultas de mercado, você tem uma outra experiência da cidade com as suas instituições públicas.

Lá tem um fenômeno maravilhoso: a despeito da penúria, você tem muito claramente posto o dado de que as instituições foram produtivas porque houve pessoas que emprestaram a sua libido. Então, está muito ligado a essa capacidade de ação de indivíduos. A situação em São Paulo tende a abafar essa eclosão das vontades individuais. A situação institucional aqui é muito mais autoritária.

Paulo Sergio Duarte: Em São Paulo existem duas instituições que têm muito bem desenhados os marcos de um museu de arte para prosperar e servir de exemplo para o país. No âmbito federal, o Museu Lasar Segall e, no âmbito estadual, a Pinacoteca do Estado. Eu não reconheço na situação atual do Rio de Janeiro (...) é porque você, Sonia, não tem visto nossas exposições "blockbuster". Em geral, começam lá. Depois vêm pra cá. Pode anotar que começam lá, sempre. É um desastre.



Ana Paula Cohen

É curadora independente e crítica de arte. Foi assistente da curadoria no Museu de Arte Moderna de São Paulo, durante a gestão do diretor Ivo Mesquita. Em 2003, trabalhará como curadora assistente no Kunstverein München, em Munique.


Link do texto na Revsita Trópico

Nenhum comentário: